Meus caros,
Recentemente uma situação interessante marcou o
futebol brasileiro. O glorioso time do Palmeiras, em situação complicada no Campeonato Brasileiro 2012,
pediu a anulação de um jogo porque teve invalidado um gol marcado com a mão
pelo seu centroavante. As imagens do jogo mostram, sem sombra de dúvidas, que o
gol foi mesmo marcado com a mão, o que é uma irregularidade. O problema, contudo, é que a
regra do jogo não permite que os árbitros usem imagens e elementos externos para decidirem
pendências no curso das partidas. A Sociedade Esportiva
Palmeiras alegou que isso aconteceu e por isso pediu que o jogo seja repetido.
Não vou entrar no mérito dessa questão e dos diversos aspectos que ela permite discutir. Não é o objetivo da postagem. Ainda mais porque o tema futebol desperta um elemento incontrolável que é a paixão. Nessa seara impossível pensar de forma racional qualquer assunto. O próprio STJD acabou não entrando no mérito da questão. O pedido foi julgado improcedente por falta de provas da interferência externa. Contudo vejo aqui, para além do futebol, uma possibilidade de reflexão sobre as implicações de fazer a coisa certa, mas
do jeito errado.
Vejam bem, quando a gente estuda na Faculdade de Direito o que se chama
de controle de constitucionalidade das leis, aprende que uma lei pode violar a
norma máxima, que é a Constituição, de duas maneiras. A primeira é pela
incompatibilidade de conteúdo, gerando a denominada inconstitucionalidade
material. A segunda, por não observar a forma correta prevista na Constituição
para sua aprovação, o que determina a inconstitucionalidade formal. Para quem
não entende nada de Direito a coisa é mais ou menos o seguinte: uma lei pode
estar “errada” tanto por ter o conteúdo contrário à Constituição, quanto por
ter apenas suas formalidades contrárias à Constituição. Nesse último
caso é semelhante ao que o Palmeiras alegou no caso do gol anulado: o erro não
estava no conteúdo da anulação (o gol foi mesmo com a mão), mas na forma como ela foi feita (com uso de elementos de prova não permitidos).
Se olharmos bem para essas situações é natural que muitos fiquem perplexos. Como é que pode alguém querer repetir uma
partida porque o gol feito com a mão foi anulado? Não é óbvio que o gol não
vale? Do ponto de vista do conteúdo sim. Mas do ponto de vista da forma como
foi descoberta essa irregularidade, não necessariamente. No Direito
Penal acontece algo nessa linha, quando a prova obtida por meios ilícitos (uma
escuta ilegal, por exemplo) não permite a condenação de alguém que essa
prova mostra que é um criminoso. A prova obtida exclusivamente por meio ilícito não tem valor, mesmo que seu conteúdo seja fidedigno.
Evidente que no caso do futebol, do controle de
constitucionalidade das leis e do processo criminal as questões relativas à
formalidade passam por uma série de outras discussões que não nos interessam
nessa postagem. O que nos importa, na reflexão de hoje, é observar que muitas
vezes podemos estar totalmente certos no conteúdo daquilo que exigimos ou afirmamos, mas ao
mesmo tempo estarmos totalmente errados na forma de veicular nossa pretensão ou manifestação. E
esse erro na forma, ainda que pareça algo secundário, muitas vezes invalida o conteúdo daquilo que queremos expressar.
Trazendo isso para a vida diária podemos identificar uma
série de situações em que isso acontece. Por exemplo, no relacionamento de um
casal. Quantas vezes o companheiro ou a companheira está certo naquilo que
reclama e pede para o outro, mas a coisa evolui para uma discussão porque é
dita de uma forma agressiva, sem tato, de maneira que não se revela a mais adequada? Ou no relacionamento
com os filhos. Quantas vezes os pais estão certos em colocar limites aos filhos
e repreendê-los, mas o fazem de maneira equivocada, com agressões físicas ou
verbais indevidas? E no trabalho, quantas vezes a
cobrança por melhorias que precisam mesmo acontecer vem de forma atravessada, sem qualquer contribuição efetiva para o crescimento profissional
dos envolvidos?
Poderia exemplificar com diversas outras situações em que
estamos cobertos de razão quanto ao conteúdo de nossas manifestações, mas nas quais efetuamos
a “cobrança” do jeito errado. Certamente isso acontece com mais frequência do
que imaginamos, posto que em muitos casos nem percebemos que estamos agindo do
jeito errado. Como estamos com a razão simplesmente ignoramos a importância da forma. Por isso há uma grande dificuldade em melhorarmos nesse aspecto de como expressar nossa razão. Uma solução é aprendermos a ouvir o feedback que o outro de alguma forma nos dá nessas situações, não raro na forma de um "silêncio eloquente".
Na vida diária fazer a coisa certa do jeito errado não necessariamente
vai gerar a invalidade de algum ato, como no jogo de futebol ou no âmbito
jurídico. Mas a longo prazo vai gerando efeitos negativos nos relacionamento
interpessoais, com falta de motivação para melhorias e desgaste nas relações. A esposa e o marido vão
se distanciado. Os filhos aprendem limites pela força e não pelo respeito à autoridade conquistada com amor e carinho. As pessoas no trabalho criam espaço de proteção e evitam arriscar, com
medo do que um erro possa gerar. E por aí vai.
Enfim, meus caros, em geral estamos preocupados em estar
certos. Isso é natural do ser humano. Mas via de regra apenas nos preocupamos em estar certos no aspecto do conteúdo.
Isso parece que nos basta para imaginarmos que temos uma carta branca para exigir que as coisas sejam colocadas
no seu devido lugar, da forma como quisermos. Contudo, também é importante fazermos nossas exigências da
forma certa, do jeito certo. Ao estarmos certos no conteúdo e na forma
conseguiremos melhores resultados nas nossas relações pessoais e
profissionais. Estaremos criando espaços de aproximação, gerando motivação e ampliando nossa capacidade de alcançar a Excelência. Prestem atenção nisso e vejam como faz muita diferença.
Um grande abraço,
Emmerson
Gazda
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